Compliance Trabalhista e a discriminação positiva

No Programa de Conformidade ou de Compliance existem diversos mecanismos preventivos que, uma vez adotados pelas empresas, impactarão em boas práticas no ambiente corporativo, como por exemplo, política de integração do empregado contratado, treinamentos, código de ética e conduta, política de sanções disciplinares, canais de denúncias, monitoramento constante, auditorias trabalhistas e política de inclusão de recursos humanos.

E especificamente na política de inclusão é que surge a necessidade de a empresa respeitar as normas de discriminação positiva assim como incentivar práticas internas de não discriminação na contratação de trabalhadores e elaborar procedimentos internos de checagem de conformidade com as exigências das leis.

E o que seria discriminação positiva?

Primeiramente, há que se definir o que seria discriminação, e cito a Convenção 1111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que enquadra como discriminação ” toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão”.

Já a Discriminação positiva é considerada um tipo de discriminação que tem como finalidade selecionar pessoas que estejam em situação de desvantagem tratando-as desigualmente e favorecendo-as com alguma medida que as tornem menos desiguais.

Trata-se de um mecanismo que busca tornar a sociedade mais igualitária diminuindo os desequilíbrios que existem em certos grupos sociais.

A discriminação positiva também é identificada como “ações afirmativas” em face das políticas públicas ou programas privados que objetivam reduzir as desigualdades decorrentes de discriminações ou de fatores de hipossuficiência econômica ou física, garantindo-se vantagens compensatórias. São exemplos de discriminações positivas o sistema de cotas para pessoas deficientes, mulheres, negros, alunos carentes advindos de escolas públicas etc.

Ações afirmativas poderia ser conceituada como “[…] um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.” (Segundo Joaquim Barbosa (apud Sergio Pinto Martins, 2019, pag. 948).

E no mundo corporativo? Haveria algum programa de ações afirmativas?

Sim. Existem situações bem definidas para o incentivo de ações afirmativas nas relações de trabalho. A primeira delas seria o sistema de cotas previsto no art. 93 da Lei 8213 /91 que visa propiciar a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho, mediante -discriminação positiva-, de modo a evitar a disputa direta com os demais trabalhadores. A lei assim determina:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados……………………………………………………………………………….2%;

II – de 201 a 500…………………………………………………………………………………………3%;

III – de 501 a 1.000……………………………………………………………………………………..4%;

IV – de 1.001 em diante. ……………………………………………………………………………..5%.

V – (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)

Além disso, a norma somente admite a dispensa de pessoa com deficiência ou de empregado reabilitado se for seguida de outra contratação para cumprimento da cota: § 1o A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

E a jurisprudência trabalhista corrobora nesse sentido:

PREENCHIMENTO DA COTA DE EMPREGADOS DEFICIENTES (ART. 93 DA LEI N. 8.213/91). IMPOSSIBILIDADE MATERIAL DE CUMPRIMENTO. O art. 93 da Lei n. 8.213/91 impõe ao empregador a destinação e preenchimento de cotas a deficientes, devendo providenciar, por todos os meios disponíveis, o cumprimento dessa ação afirmativa, sob pena de caracterização de infração administrativa à norma legal. […]. (TRT12 – ROT – 0000641-19.2018.5.12.0027 , Rel. MIRNA ULIANO BERTOLDI , 6ª Câmara , Data de Assinatura: 06/09/2020)

TRT-12 – Recurso Ordinário Trabalhista RO 00006411920185120027 SC (TRT-12)
•Data de publicação: 06/09/2020 Fonte: www.jusbrasil.com.br. Acesso em 05.12.2020

COTA DE REABILITADO OU DEFICIENTE. REINTEGRAÇÃO CABÍVEL. AÇÃO AFIRMATIVA. Empregado readaptado ou portador de deficiência, habilitado para o trabalho, possui garantia de emprego emergente da cota assegurada pela legislação previdenciária, a qual obriga as empresas, com 100 (cem) ou mais empregados, manterem em seus quadros de 2% a 5% dos cargos, com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas. A dispensa imotivada de trabalhador reabilitado.

TRT-15 – Recurso Ordinario RO 4976 SP 004976/2006 (TRT-15)
•Data de publicação: 10/02/2006. Fonte: www.jusbrasil.com.br. Acesso em 05.12.2020

Outra situação de discriminação positiva seria o atendimento por parte das empresas da cota de aprendizagem prevista na CLT. Disciplina o artigo 429 o seguinte: ” Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.”

E a Justiça do Trabalho reforça seu cumprimento:

BASE DE CÁLCULO PARA A COTA DE APRENDIZAGEM. EMPRESA DE VIGILÂNCIA E SEGURANÇA. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. ATIVIDADE DE RISCO. INCLUSÃO DOS VIGILANTE. POSSIBILIDADE. O Decreto n. 8.579/2018, que regulamenta o art. 429 da CLT , determina de maneira expressa que devem ser incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos. Por seu turno, o art. 428 elastece a faixa etária das pessoas que podem firmar contrato de aprendizagem para 24 anos. Logo, mesmo estando a função entre aquelas vedadas aos menores de 18 anos, não há impedimento para a contratação de aprendizagem, uma vez que, segundo o art. 16 , II da Lei n. 7.102 /1983, a idade mínima para o exercício da profissão de vigilante é de 21 anos, abrindo espaço para que as empresas promovam a contratação de indivíduos, na condição de aprendiz, com idade entre 21 e 24 anos.

TRT-4 – ROT 00202997320185040731 (TRT-4)
Data de publicação: 23/10/2019 Fonte: www.jusbrasil.com.br. Acesso em 05.12.2020

CONTRATO DE APRENDIZAGEM. COTA DE MENOR APRENDIZ. CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. No que concerne às funções de porteiro, vigia, faxineiro (auxiliar de serviços gerais), eletricista, auxiliar administrativo e zelador, elas estão registradas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), conforme critério objetivo previsto na regulamentação sobre aprendizagem e devem ser consideradas para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados, uma vez que o art. 10 do Decreto 5.598/05 exclui apenas as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargo de direção ou gerência.Recurso provido.

TRT-1 – Recurso Ordinário Trabalhista RO 01009189620185010076 RJ (TRT-1)
Jurisprudência•Data de publicação: 25/09/2020 Fonte: www.jusbrasil.com.br. Acesso em 05.12.2020

Diante da contextualização apresentada, é dever das empresas estarem em conformidade com as ações afirmativas previstas em lei e erradicarem qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho.

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